Bem vindo!

BEM VINDO!

Ex officio é uma expressão latina que significa "por dever do cargo, por obrigação"; muito utilizada no contexto jurídico para se referir ao ato que se realiza sem provocação das partes. Para o contexto do cristianismo, um "cristão ex officio" é aquele que não espera ser provocado ou "incentivado" para ter uma atitude padronizada em Cristo; as atitudes fluem como instinto. Sinta-se livre neste ambiente para opinar, concordar, discordar, sugerir... Desde que de forma respeitosa.

terça-feira, 23 de agosto de 2011

O relato de Adão - 3ª Parte - O Arrependimento e a Oportunidade

  
 Júnio Almeida 

Antes de tudo aquilo ter acontecido, o que eu mais desejava era falar com Deus no fim da tarde, mas agora era o que mais temia. Enquanto corria atrás da minha mulher chorando, ouvi doce voz do Senhor me chamar. Fingi não ter ouvido e corri para perto de minha esposa, embora ela continuasse a me evitar. Mas não teve jeito, Ele nos encontrou. Quando estava quase chegando, perguntou:

 - Onde você está? – Disse o Senhor.
 - Eu ouvi a tua voz ressoar no jardim e me escondi por estar nu.
 - Quem te fez saber que você está nu? Você comeu da árvore de que te ordenei que não comesse?

Eu ia tentar não comentar nada, mas Ele foi direto ao ponto. Deixei escapar que estava nu sem querer. Como sabia que precisava dar-lhe uma resposta e a responsabilidade cairia sobre meus ombros, quase que instintivamente, joguei a culpa nela:

 - A mulher que me deste por esposa, ela me deu e eu comi.

Eu sei que aquilo foi errado, mas foi a saída que encontrei na hora. Também sempre soube que ela era boa com palavras. Daria um jeito de escapar.

 - Que é isso que fizeste? - perguntou o Senhor.
 - A serpente me enganou, e eu comi. - respondeu ela aflita.

É lógico que ela seguiria meu exemplo. Fui eu quem sempre cuidei dela. Seguia meus passos. Se eu não assumi a responsabilidade, não faria também.

Então a serpente olhou para o lado à procura de mais alguém para culpar... Mas não havia ninguém.

Começaram-se as consequências: primeiro o Senhor falou à serpente, deixando claro sua derrota através da descendência que viria da mulher; segundo, à mulher, Deus falou que sua gravidez seria bastante sofrida e com dores daria à luz filhos. Além disso, o desejo dela seria para mim, e eu a governaria. Por último, Ele virou-se para falar comigo.

A esse ponto eu já estava arrasado por dentro. O arrependimento já batia mais forte do que qualquer chicote. Não parava de me perguntar por que fiz aquilo. Quando o Senhor começou a pronunciar as primeiras palavras, senti um frio passando pelas minhas costas. Arrepiei. Não conseguia olhá-lo; a vergonha era demais. Sua voz atravessou meus ouvidos e coração:

- Visto que atendeste a voz de tua mulher e comeste da árvore que eu te ordenara que não comesses, maldita é a terra por tua causa; em fadigas obterás dela o sustento durante os dias de tua vida. Ela produzirá também matos e espinhos, e tu comerás a erva do campo. No suor do rosto comerás o teu pão, até que tornes à terra, pois dela foste formado; porque tu és pó e ao pó tornarás.

Na última sentença eu entendi claramente "... se comeres do fruto, certamente morrerás...". Minha queda foi o passo para a entrada no corredor da morte. Além da morte espiritual instantânea por causa da desobediência, agora estava condenado à morte física. Porém, agradeço-o por ter me dado o privilégio dessa morte física, pois melhor é um dia morrer e estar para sempre com Ele, do que viver para sempre nesse corpo que, neste momento, está corrompido pelo pecado.

E mais, antes, meu trabalho era uma das maiores dádivas que recebi, mas tornou-se meu fardo. Não deixei de amá-lo, porque isso ficou impregnado na minha alma, mas o que era bem mais simples transformou-se em complexo e principalmente árduo.

Depois do pronunciamento divino sobre nós, Ele nos providenciou roupas, porque continuávamos com vergonha um do outro e do que fizemos para com Deus. Provou-me que nunca deixou de me amar, pois mesmo tendo desobedecido-o, cuidou de mim. Enquanto Ele fazia as roupas, eu me perguntava o porquê daquilo. Não era justo; nós não merecíamos!

Só que depois disso... (surge uma longa pausa e um profundo suspiro). Perdi meu emprego, meu trabalho, no melhor lugar que havia: o Éden. Fomos expulsos. Essa ainda não é a pior parte (curva-se a cabeça e o olhar não sai do chão). Perdi aquilo que mais amava: o direito de passear com Deus no jardim; de sentir meu coração arder pelo Seu calor; das nossas conversas face a face (levanta-se a cabeça repentinamente e em meio a um forte suspiro a lágrima escorre com força). Perdi nossa intimidade.

Sabia que era conseqüência do meu erro, da minha desobediência, mas doía demais! Era insuportável! Enquanto eu caminhava para sair do jardim, gritei para Ele:

 - Me perdoa!!! -  meu rosto estava rubro e banhado de lágrimas.
 - Meu filho, - O Senhor respondeu - eu perdoo.
 - Então me deixe voltar, por favor!
 - Adão, filho meu, não dá. Seu pecado nos afasta.
- Mas e o seu perdão, não nos aproxima?
 - Sim, mas a principal consequência que lhe falei era a morte. Para que tenhamos a mesma intimidade do jardim é necessário que quem pecou morra.
 - Senhor, não posso viver longe de Ti. Eu sei que errei, mas deixe-me voltar. Estou arrependido. Meu paraíso é a Tua presença; sem Teu calor, tudo é gelado.
 - Filho, eu vou cuidar de você. Eu te amo, muito mais do que imagina!
 - Pai...! Paaaaiiii!!!!! - (a voz embargada e as lágrimas parecem rios)

Ele também chorava.

- Eu vou dar um jeito nessa nossa distância. Um dia, estaremos tão perto, que não andaremos apenas lado a lado; estarei dentro de você, vivo em você! - mas eu via a tristeza no Seu rosto; aquela tristeza rasgava meu coração.

Foi como perder minha bússola no jardim. Perdi o rumo. Eu era tão feliz antes disso!

 - Senhor, - disse eu – me perdi ao andar sozinho, sem o Senhor. Queria tanto voltar para aqueles rios!!! Vamos voltar lá, pelo menos mais uma vez. Queria brincar naquelas águas contigo; molhar-me... Um banho dado por Ti...

Era mais do que nítido: eu não sabia se aquelas palavras doíam mais em mim ou Nele.

 - Vou arrumar uma maneira – disse Ele – de nos aproximarmos de novo. Voltaremos àquela intimidade. Eu prometo. 


ELE cumpriu. Quer o cenário? Tente lembrar:

Um monte chamado Gólgota (caveira); uma cruz; uma coroa – de espinhos; cravos; uma multidão excitada pela desgraça alheia; alguns que choram.

Alguém que resolveu sofrer a conseqüência do meu pecado. Lembra-se que era a morte? ELE morreu, mas não foi uma simples morte: trocou o a coroa de glória pela coroa de espinhos – produzida pelo fruto do meu pecado. Aceitou os cuspes; aceitou que alguém segurasse sua mão e erguesse o martelo, pronto para desferir o golpe contra o cravo. Lembro-me do seu olhar para o soldado e para sua mão; mão que curou, que se ergueu e acalmou a tempestade. Aquele ferro gelado encostando da mão de JESUS; o golpe acertado; o sangue escorrido. 


Ele poderia ter morrido de forma mais simples, sem dor talvez. Mas não, Ele escolheu a cruz, os cravos, os cuspes, os espinhos, a vergonha, a dor, o medo, a ansiedade, a aflição, a traição, o desprezo, a rejeição, o abandono, a amargura, o sofrimento... Optou por suportar a consequência do meu erro. 

Colocado entre os ladrões. A vergonha e desprezo da cruz – entre duas cruzes. Onde um dos ladrões, em uma cruz, escolhe o crime e rechaçar o Mestre, mas o outro, se arrepender e ir para o Paraíso com o Senhor. É sempre assim: Deus nos dá oportunidade de escolhas. Os dois ladrões estavam na mesma situação, na mesma condenação. Um optou pela vida, o outro pela morte.

Eu tive a oportunidade de comer da árvore da vida, mas escolhi a da desobediência. Depois, arrependido, queria ter voltado para o Éden, mas era tarde. Queria ter voltado a ter a intimidade com Deus como tínhamos no início. Sentir meu coração arder com aquele calor da Sua presença. Sentir seu afago de Pai, seu carinho. Gostaria de ter aquela amizade de antes. Nossas conversas. Seu amor. Seu abraço. Saudade de caminhar com Deus. Oh falta que sinto da Sua voz! 


Agora, para você que está lendo meu relato, eu, Adão, recomendo que você volte ao Éden (ao paraíso da presença do Senhor) antes que seja tarde. Antes que a sedução daquela maldita árvore te engula. Antes que a intimidade fique só na memória. Antes que seja tarde demais.

Ele está esperando você, chamando por seu nome no jardim. Não se esconda como eu; vá ao Seu encontro. Ele vai cuidar de você!

Ele te ama!!! JESUS te ama!!!


Sugiro como complemento: "Arde outra vez" - Thalles Roberto

http://www.youtube.com/watch?v=jYfoXNfbSjs

Essa música foi uma das inspirações para este texto.


O relato de Adão - 2ª parte - Eva e a serpente: o diálogo e a queda.


Júnio Almeida

O tempo foi se passando e nem percebíamos. Não nos preocupávamos com isso. Certo dia, enquanto eu estava trabalhando, cuidando do jardim, minha mulher foi para o meio dele, para perto da árvore do conhecimento do bem e do mal. Recordo-me muito bem de como deixei claro para ela também, sobre a ordem do Senhor de não comer daquele fruto. Mas surgiu alguém que não conhecíamos bem: a serpente. Ela era muito esperta. Erroneamente, nós sempre a subestimamos e menosprezamos. Com sua astúcia, a serpente não se atreveu a falar comigo, foi em alguém mais sensível que eu. Perguntou:

 - É assim que Deus disse: Não comereis de toda árvore do jardim?

Minha mulher não tinha ouvido diretamente o Senhor dizer. Eu que repassei a instrução para ela - mas de forma fidedigna.
Ela seguiu seu instinto feminino e resolveu responder à pergunta:

 - Do fruto das árvores do jardim podemos comer, mas do fruto da árvore que está no meio do jardim, o Senhor falou que não podíamos comer nem tocar nele para não morrer.

Eu não falei para ela que não podia tocar no fruto; não podíamos comê-lo, mas para evitar qualquer perigo, sempre aconselhei que ela ficasse longe daquela árvore. A propósito, a serpente sempre fica próxima das coisas que nos aproximam da morte. Ela gosta de unir o inútil ao desagradável, embora pareça o contrário. Infelizmente minha mulher não percebeu que não deveria dar ideia à serpente. Como ela gosta de conversar, foi justamente nas palavras que aquela que rasteja ludibriou-a. Prosseguiram:

 - É certo que vocês não irão morrer. Porque Deus sabe que no dia em que vocês comerem desse fruto, os seus olhos serão abertos de uma maneira que não imaginam. Na verdade, vocês conhecerão tanto quanto Deus, sobre o bem e o mal.

Oh discurso infernal! Aquilo mexeu com minha linda adjutora. Ela parou e ficou olhando para o horizonte, pensando em como seria se aquilo acontecesse. Respirava fundo; às vezes trocava olhares com a árvore e seu fruto. Começou a sentir água na boca. De repente sentou-se. Juntou as pernas de maneira que pudesse colocar os cotovelos nos joelhos e as mãos no rosto. Pensou, pensou, pensou. A dúvida não saía da cabeça. Eu não estava por perto para aconselhá-la sobre o que fazer e ela sabia que eu me oporia. Intuitivamente, para ela, ter mais conhecimento seria melhor. Daí,  vagarosamente se levantou. Aos poucos foi olhando para o fruto e se aproximando. O coração começou a acelerar. A respiração ficou ofegante. Estava nervosa, quase que a ponto de chorar. "E se eu morrer? Se o que Deus falou é verdade e eu morrer?", "Mas e se eu não morrer e puder conversar melhor com o Senhor?! De igual para igual! Ai, o que eu faço! E se a serpente tiver razão?". O coração continuou acelerado. Fechou o olho... Decidiu comer.

Ela disse que foi estranho, pois a princípio, não sentiu diferença. Abriu os olhos e... Nada. Nem estava morta (por isso abriu os olhos - lógico) nem se sentia mais inteligente. Correu até mim. Quando a vi de longe com o rosto de espanto, estranhei. Nunca a tinha visto com aquela expressão. Ela estava diferente, era nítido. Perguntei-lhe:

 - O que foi que aconteceu? Você não parece bem.

Ela evitava me olhar nos olhos.

 - Meu amor, coma também, por favor.

Foi quase um reflexo: quando olhei aquilo em suas mãos, dei um passo para trás. Pus as mãos em minha cabeça.

 - Não podemos comer isso! Deus deixou claro.
 - Ele disse que morreríamos. Comi e ainda estou viva. A serpente...
 - Serpente? Você deu ouvido a ela?
 - Ela me falou que nós vamos conhecer tanto quanto o Senhor e não vamos morrer.

Confesso que olhei e me senti tentado. Além do mais, estava começando a me sentir inferior à mulher. Estava achando que ela sabia mais do que eu. Não gostava daquilo. Sabia que ela tinha sido enganada, mas eu tinha convicção do que seria aquilo. Além do mais, ouvia claramente a voz do Senhor gritando dentro de mim para não fazer o que era errado.

Mas o olhar da minha mulher era meigo; quebrava-me por dentro. Era sutil, mas fortemente convincente. Tinha em minhas mãos a decisão: rejeitava o convite para não macular minha consciência e perderia minha esposa ou aceitava, e talvez conquistá-la-ia ainda mais. Agora era meu coração que acelerava, minha respiração que ofegava. "O que fazer?".

Preferi ser estúpido ao querer fazer todas as vontades dela – e as minhas. Conscientemente desobedeci a Deus. Ela foi enganada; eu, desobediente.

Embora não caí fisicamente morto, minha consciência foi alterada. Comecei olhá-la diferente. Passei a mão em minha cabeça e esfreguei no rosto. De repente perguntei-lhe:

 - Por que você está nua?
 - Quê? Por que NÓS estamos, não seria o que você deveria perguntar?!! - disse-me arrogantemente.

Ela nunca tinha falado naquele tom de voz comigo.

 - Abaixe seu tom de voz quando falar comigo!  - Falei em tom baixo, mas ríspido.

Ela saiu chorando.

 - Aonde você vai?

Não obtive resposta.

Ela estava com vergonha de mim, e claro, eu dela. Mesmo assim fui atrás.

Nunca havíamos brigado. Não sabia o que era vergonha. Ela nunca tinha chorado; nem eu. Essa foi a primeira conseqüência ruim - dentre muitas outras que se seguiriam depois.

CONTINUA...

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

O relato de Adão - 1ª parte - Introdução ao Paraíso


 Júnio Almeida

Tudo começou quando... Bom, quando exatamente, não me lembro. É, para mim foi um pouco diferente: eu não tive o privilégio do nascimento, da infância; não vi meus músculos se desenvolverem aos poucos, meu bigode começar a aparecer. Praticamente nasci barbudo (risos). Foi estranho, confesso. A vaga memória que tenho é que acordei de repente com um grande vento soprado no meu nariz. Dá pra acreditar? Sei que é difícil, mas é verdade! Foi assim que vim à vida. Dessa maneira excêntrica, diferente, impressionante. Porém isso está longe de ser o mais espetacular da minha criação!

A verdade é que tomei um susto quando olhei para quem tinha soprado nas minhas narinas. Alguém tão belo, com um lindo sorriso no rosto. Ele estava tão feliz. Inefável. Nunca vi ninguém tão feliz observando outra pessoa ao acordar. O que mais se assemelha é com um pai que fica corujando o filho dormindo, e quando este acorda, aquele sorri como bobo; simplesmente sem motivos. Aquele sorriso foi contagiante: ficamos nós dois sorrindo por um bom tempo sem sabermos o porquê. Aquela alegria era tão boa! (forte suspiro entre o sorriso)

Eu me levantei com a sua ajuda e saímos andando e conversando. Isso foi outra coisa estranha - eu já "nasci" sabendo falar. Como? Não sei, mas para quem tem poder para me criar do nada, por que não poderia me fazer sabendo falar. O que sei é que saímos conversando sobre as coisas que eu estava vendo. Tudo era novo (em todos os sentidos!) e então tínhamos muitos assuntos para conversar. E ao andar nos deparamos com uns rios. Quando olhei aqueles espelhos d'água e vi meu reflexo não entendi direito - não sabia se estava me vendo ou se via meu Criador. Eu nunca tinha olhado em um espelho. Éramos muito parecidos, mas não fisicamente. Aquele espelho d'água fez-me enxergar introspectivamente - minha semelhança ao criador era referente à razão, criatividade, discernimento. Senti-me absolutamente privilegiado, porque só eu entre toda a criação parecia com o Criador nesses aspectos.

Andamos por um bom caminho até que chegamos a um determinado lugar naquele magnífico jardim, chamado Éden - um maravilhoso paraíso. Daí ele me deu uma tarefa: cuidar do lugar. Eu deveria cultivar e guardar. Existiam árvores agradáveis, que eram maioria. Bons lugares para refrescar-me. Árvores frondosas perto de rios com águas tranquilas. Frutas deliciosas, mas que para tê-las eu precisava cultivar, cuidar. Não era um à-toa, eu tinha meu trabalho e amava fazê-lo! Cuidava com dedicação. Quando Ele me criou, pôs em minha essência o amor por isso, pelo trabalho.

No meio do jardim tinham duas árvores especiais: uma era árvore da vida; a outra, a do conhecimento do bem e do mal. Quando eu me deparei com elas o Senhor deixou bem claro: "De toda árvore do jardim você poderá comer como quiser, mas da árvore do conhecimento do bem e do mal não poderá comer; porque, no dia em que você comê-la, com certeza irá morrer.". Bem, eu guardei aquela ordem no meu coração e fiquei quieto. Continuei meu trabalho normalmente.

Confesso que isso me intrigou um pouco. Quando eu olhava para a árvore da vida, não conseguia enxergar a importância dela, pois eu não sabia o que era exatamente a morte. Então eu pensava "se eu comê-la ou não, continuarei vivo". (ledo engano!) Se eu tivesse pensado mais, teria descoberto que a vida é mais forte que a morte, e ela era a certeza da maravilhosa vida com meu Senhor para sempre. Se tivesse me alimentado dela, a consciência de desprezo pelo que me atrai à morte me afastaria de vez da outra árvore. Mas não pensei por esse lado. Simplesmente deixei para lá. Continuei apenas me mantendo afastado da árvore proibida enquanto trabalhava.

Com o passar do tempo, sentia que meu trabalho era bom, mas parecia não ser suficiente. O Senhor trouxe os animais para perto de mim e nós ficamos conversando sobre como seria o nome deles. Ele me disse que o nome que eu desse para eles, seria para sempre. Começamos: passou um com chifre no meio do focinho: aquilo era tão estranho! Mas dei um nome - rinoceronte. Passou outro, muito bonito por sinal; muitos pelos no pescoço (a tal juba), muito imponente e parecia importante; chamei-lhe de leão. Tiveram alguns que eu disse coisas nada a ver; mudei de ideia, troquei o nome. Porém quando decidia, era aquele e pronto. Eram muitos animais: muitos voavam, muitos animais nas águas... Isso demorou! E eu ainda tinha que cuidar do jardim.

Ainda assim eu me sentia um tanto só, até porque eu via que todo animal tinha seu parceiro, menos eu. Então um dia meu Senhor falou que eu ia dormir um pouco mais. Na verdade Ele foi modesto, pois eu dormi bem mais; perdi totalmente a noção de tempo. Nem sei por quanto tempo dormi; parece que hibernei. Mas quando acordei... Eita...! Parecia um sonho.

Mal acreditei no que estava vendo. Ainda meio desacordado (e com algumas remelas, afinal foi muito tempo dormindo) eu olhava para ela e não conseguia entender direito o que era e quem era. Fui coçar do meu lado e senti que faltava algo. Vi a cicatriz. Faltava uma costela. Na hora eu entendi! Exclamei: "Você é parte de mim! Já que dei nome para tudo, vou dar o seu também: você será chamada de mulher. Minha mulher!".

Eu não parava de sorrir (parecia um idiota). Ela era muito linda! Toda delicada. Toda sensível. Sua pele, tão macia, cheirosa. Aí é claro que começamos a conversar, afinal era meu dever ensinar para ela tudo o que o Senhor tinha me ensinado. No começo ela parecia tímida para falar, perguntar, mas depois que pegou embalo... Já sabe, né! (risos).

Conversávamos todos os dias. Era ótimo, porque além disso, quando dava à  tarde nós também conversamos com nosso Criador. Lógico que Ele era a melhor parte da nossa conversa. Nunca ficávamos sem aprender alguma coisa nova. Na verdade, vivíamos ansiosos para que chegasse logo a hora de encontrá-lo. Como era bom!!! (uma lágrima escapa. Outro suspiro)

Meu trabalho continuava. Eu cuidava do jardim e, agora, além disso, tinha o privilégio de cuidar da minha mulher, da minha companheira. Ela me ajudava em tudo. Éramos verdadeiros amigos. Além disso, adorava o jeito que ela me olhava, me admirava. Era claro que ela apreciava meu desejo de servi-la e com tudo que tinha no jardim, eu aproveitava para dar-lhe o melhor.

Quantas vezes ela me pedia conselho para as coisas simples em como fazer algo. Enxergava nitidamente que ela também amava minha maneira de protegê-la. Sentia que ela valorizava meu trabalho e minhas conquistas. Aquilo muitas vezes despertava nela o desejo do meu carinho no seu rosto, no seu corpo. A acariciava com todo o prazer e me satisfazia nela e ela em mim. Ótima vida sexual nós levávamos. Tudo isso que ela fazia por mim me deixava orgulhoso e sentia-me totalmente honrado e respeitado. Com isso, eu a amava com todas as minhas forças.

Abria-me para ela. Falava sobre minhas limitações sem medo ou receio. Não tínhamos medo de conversar. Eu a escutava com toda atenção. Não me preocupava em dar soluções para suas limitações, apenas a ouvia. Estava por perto sempre que ela precisava. Esforça-me ao extremo para que ela se sentisse segura e convicta da minha dedicação por ela. Eu a elogiava aos montes, tanto aos gritos de amor como aos sussurros nos seus ouvidos. Não sabíamos o que era briga - estávamos sempre em paz. Sempre a estimei muito. Sempre amei como toda minha alma. Eu deveria ter percebido a sutileza de como era perigoso deixá-la andar sozinha! A árvore; a serpente; os diálogos; a tentação; o início da queda (de repente uma inspiração profunda e uma expiração vagarosa).

Continua... ainda é só o começo.