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Ex officio é uma expressão latina que significa "por dever do cargo, por obrigação"; muito utilizada no contexto jurídico para se referir ao ato que se realiza sem provocação das partes. Para o contexto do cristianismo, um "cristão ex officio" é aquele que não espera ser provocado ou "incentivado" para ter uma atitude padronizada em Cristo; as atitudes fluem como instinto. Sinta-se livre neste ambiente para opinar, concordar, discordar, sugerir... Desde que de forma respeitosa.

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

O Diabo vai ao Analista



Carlos Moreira

Todos nós possuímos certos mecanismos que, em psicologia, chamam-se mecanismos de defesa.
  Eles têm por finalidade reduzir manifestações que podem colocar em perigo a integridade do “ego” – uma instância da personalidade definida como o nosso eu mais perceptível.

Quando o indivíduo não consegue lidar com determinadas situações, entra em ação estes mecanismos de defesa, processos subconscientes ou mesmo inconscientes que acabam permitindo a mente encontrar uma solução para o conflito que não pôde ser resolvido no nível da consciência.

Esses mecanismos de defesa têm por base a angústia. Quanto mais angústia, mas fortemente atuam. Freud estudou bastante este tema e nos revelou que um dos mais importantes destes mecanismos é a “Projeção”. Trata-se da transferência de atributos pessoais de determinado indivíduo – pensamentos inaceitáveis ou indesejados, por exemplo – a outra pessoa.

O filósofo Ludwig Feuerbach, estabeleceu paralelos entre sua teoria da religião com a idéia de projeção psicológica, e escreveu como uma de suas conclusões que, “a concepção de uma divindade antropomórfica, trata, na verdade, de uma projeção dos medos e ansiedades dos homens”. Foi dentro deste contexto que escreveu uma de suas frases mais famosas: “Deus foi criado à imagem e semelhança do homem”.

Posto isto, base mínimia para as argumentações que se seguem, quero especular sobre um fenômeno que, como pastor, tenho presenciado sistematicamente na “escuta terapêutica”: a atribuição ou transferência de culpa de atitudes das pessoas para a figura do “diabo”.

Em nossos dias, o “diabo” é o grande culpado por boa parte dos problemas que enfrentamos e este “fenômeno”, pasmem, carrega em si até certo grau de espiritualidade, pois, afinal de contas, o sujeito está sendo “atacado por “satanás”! Como já citei em outros textos, o diabo na “igreja” é criatura das mais conhecidas e reverenciadas. Não raro, é tratado com status de ator Hollywoodianopop star gospel, chega a dividir com Deus boa parte das citações em um sermão.   

Só que, até hoje, ninguém nunca havia avaliado os supostos “estragos” que eventuais acusações e transferências causaram na “alma” do “tinhoso”. De tanto ser culpado por coisas que jamais realizou, atos que não cometeu e situações das quais não participou, o diabo começou a desenvolver certas deformidades comportamentais. No começo era apenas um leve sentimento de culpa, mas a coisa se aprofundou e começou a virar disfunção de auto-imagem. Em seguida, baixa auto-estima, depressão e, por fim, síndrome do pânico!

Apavorado com a situação e, de forma recorrente sendo acusado pelos “crentes” como culpado de tudo que lhes sobrevém, o diabo resolveu, como recurso último, já num grau de desespero extremo, ir ao analista. O trecho abaixo é parte da anamnese realizada pelo psicanalista no primeiro contato que teve com o “rabudo”.

(Terapeuta) Vamos lá, deixe essa timidez de lado, pode falar. O que lhe incomoda?

(diabo) Doutor eu estou me sentindo muito mal... sinto ânsia de vômito, sudorese,  taquicardia e, as vezes, pânico!

(Terapeuta) Sei, mas ao que você atribui tais sintomas?

(diabo) Bem, doutor, eu estou carregando um fardo muito pesado. Os “crentes” colocam a culpa em mim por tudo o  que lhes acontece. Isso tem gerado um constante estado de angústia. O Sr. tem idéia do que é ser acusado por algo que, em absoluto, realizou?

(Terapeuta) Não. Dê-me um exemplo para que eu possa entender melhor?

(diabo) O cara é um safado; vive no trambique... nota fria, caixa dois e tudo mais. Um dia chega à fiscalização e o cretino afirma: “isso é coisa do diabo!”. O sujeito não ora, não lê a bíblia e aí diz que sua falta de disciplina é “coisa do diabo!”. Ele não cria os filhos com valores, com princípios, em casa é o pior exemplo possível, e quanto eles se desencaminham na vida, assevera: “isso é coisa do diabo”!

(Terapeuta) Realmente, isso é algo muito sério...

(diabo) É doutor, mas não fica só nisso não... Veja só: o sujeito toma uma decisão sem   pensar, irrefletidamente, e o que ele diz quando bate com a cara na parede: “isso é coisa do   diabo”! Se tem um temperamento descontrolado, iracundo, provocador, toda vez que se   desentende com alguém conclui: “isso é coisa do diabo”! Quando se endivida, desorganiza-se financeiramente por não conseguir segurar o cartão na carteira, diz que está “quebrado”   porque deu uma “brecha para o diabo!”.

(Terapeuta) Cidadão, a situação é complicada.

(diabo) E tem mais doutor... O cara vem cheio de paranóias, uma família pra lá de louca,   alma desestruturada, traumas, medos, e diz que a “doideira” dele é "coisa do diabo".   Imagina?! O sujeito é mal amado, mal resolvido, carente, paranóico, e tudo é “coisa do   diabo!”. Se o cara mergulha no vício, o que eu ouço? “Isso é coisa do diabo”. Se vive na   mentira, diz que o responsável sou eu, afinal, eu sou o “pai da mentira”! A desgraça torna-se   ainda maior porque eu não ganho nada com isso! Falam o tempo todo no meu nome, mas,   “crédito” que é bom, nada! Assim não tem quem agüente!

(Terapeuta) Bem meu “amigo”, seu tempo, infelizmente, acabou. Como disse, estou achando   que você está muito ansioso. Vou ter de lhe receitar um ansiolítico!

(diabo) Para que serve?

(Terapeuta) Para controlar a sua ansiedade.

(diabo) Você está louco! Eu vivo de gerar ansiedade nos outros e você quer tirar a minha?   Doutor creia-me, estou com muito medo de não ter mais nada o que fazer contra a existência   humana.

(Terapeuta) Mas seu diabo, como é que o senhor ganha à vida?

(diabo) Bem, eu vivo de gerar medo, culpa, angústia e ansiedade nas pessoas. Eu mato os   seus sonhos, roubo suas sensações, destruo suas almas. Na verdade, sou um grande   “coreógrafo”. Crio cenários para as pessoas atuarem na “peça”, mas elas é que fazem as   escolhas e desempenham os “papéis”.

A seção termina... O analista diz: “bem, vá até a farmácia, compre o medicamente, e me ligue! Vamos avançando no tratamento...”.  O diabo se despede, sai cabisbaixo, arrastando o rabo, deprimido, e dirige-se a drogaria mais próxima. Aí toca o telefone da secretária. O doutor diz: “manda entrar o próximo”, e entra o outro paciente... É um “crente”. O doutor pergunta:

(Terapeuta) Bem, meu amigo, qual é o seu problema?

(“Crente”) Doutor, estou meio sem jeito.... É que eu dei uma “brecha” sabe, uma escapadela;   traí minha mulher.

(Terapeuta) E quando foi isso?

(“Crente”) Ah doutor, tem sido algo constante. Antes de vir para cá, por exemplo, aconteceu. 

(Terapeuta) Mais meu amigo, o que você acha que está acontecendo na sua vida afetiva?

(“Crente”) Não sei doutor, tenho pensado muito sobre esse assunto... e foi assim   que cheguei à uma conclusão: “isso é coisa do diabo”!

Aí o analista exaltado levanta-se da cadeira, faz cara feia e esbraveja: “deixe de ser safado! Que diabo coisa nenhuma! O diabo acabou de sair daqui ainda agora, deprimido, mais pra baixo do que rabo de elefante, e você me vêm com este papo da carochinha! Tome vergonha na sua cara e assuma a responsabilidade por seus atos...”.

É amigos, como disse Stendhal: “Quem se desculpa, acusa-se”.

Quero deixar claro: creio que o diabo existe e que, segundo Jesus e o Evangelho, ele veio para “roubar, matar e destruir”. Creio que é o “acusador dos irmãos”, que precipitou-se do céu por querer ser igual a Deus, que subverte toda a beleza da criação e conspira contra o que é bom e faz o bem aos filhos de Deus. Creio que anda ao derredor como “leão que ruge”, louco para tragar algum incauto. Agora, dizer que tudo o que ocorre no meio “evangélico”, na vida de gente que não tem temor nem de Deus, quanto mais do diabo, é coisa do capeta, aí já é demais para mim! Diante disso, meu mano, só dá para pensar o seguinte: durma o diabo com um barulho desses...

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